EXPOSIÇÃO . MODERNA PARA SEMPRE - Coleção Itaú Cultural
MODERNA PARA SEMPRE - Coleção Itaú Cultural
Curadoria: Iatã Cannabrava
Período: 06 de outubro a 20 de dezembro de 2012
Livre para todos os públicos
A fotografia nasce tecnológica, nasce junto com as metrópoles, com as grandes descobertas científicas e, principalmente, junto com o capitalismo, no qual a transformação de tudo e todos era a palavra de ordem.

Em poucos meios, como na fotografia, é tão presente a eterna polêmica sobre os limites da arte, do documento, da ciência... Nossos modernistas lavaram a discussão para dentro do laboratório fotográfico e fizeram de suas estrípulas alquímicas legítimos debates sobre linguagem fotográfica.

Ainda mais: atreveram-se a ver o mundo de maneira subjetiva em pleno pós-guerra. Aqui vale uma ressalva: nosso modernismo é tardio, deslancha no Brasil na década de 1940 enquanto nos países vizinhos e na Europa surgia duas décadas antes.

Distantes no tempo histórico, esses movimentos possuem evidente caráter de rompimento com o tradicionalismo, propõem uma nova leitura estética e o afastamento crucial da cultura vigente e institucionalizada, numa expansão sem procedentes na história da viagem.

As vanguardas europeias que desabaram no cubismo e no surrealismoabriam suas fronteiras já nos anos 1920, e redefinição da fotografia - de uma "fotografia moderna" brasileira - floresce nos anos subsequentes, paralelamente a movimentos como o da escola Bauhaus e de artistas como László Moholy-Nagy, que foram pioneiros na inclusão da fotografia, abrindo as portas para jovens como Lux Feininger.

Enxergamos similitudes entre os contrastes cromáticos de Henri Matisse (1869-1954) e as imagens que José Yalenti extraía da arquitetura, por exemplo. Ao lado dele, encontramos representantes exemplares do período, como Thomaz Farkas, German Lorca, José Oiticica Filho, Eduardo Salvatore, Geraldo de Barros, entre outros, cujo relacionamento com as artes se percebe de maneira ampla e ousada.

Representantes da chamada "escola paulista", anexada por historiadores como marco da "fotografia modernista", fundam o Foto Cine Clube Bandeirante em 1939, e por certo rompem com o estabelecido. Mas, como a boa pergunta que o historiador Ricardo Mendes faz em Fotografia e Modernismo: um Breve Ensaio sobre ideias Fora do lugar: De que manifestações de modernidade estamos à procura?

O grande mérito de nossa produção modernista é ter antes um caráter de questionamento do que de trazer à tona explicações e leituras de fácil assimilação. Esta exposição, calcada no melhor do movimento, é mais desafiadora do pensamento e traz - além da estese que provoca - o dom da discução ampla sobre a essência do fazer fotográfico, que rompe com paradigmas e atravessa décadas nas rupturas por ele criadas.

Aqui cabe uma pergunta: De que maneira se deu o processo de criação desses fotógrafos, que passou longe das estritas regras da fotografia documental, ou então "realista", a que essa arte se via anexada desde seus primórdios?

As imagens segerem pistas para as respostas às indigações mais prementes. Elas passaram por diversos caminhos, salões nacionais e internacionais, com etiquetas que provam em seu verso que não foi só no campo da manipulação das imagens em laboratório que os modernos serviram como incubadora de idéias.

Os fotoclubes - as primeiras redes sociais de que temos conhecimento na fotografia -, com seus salões, catálagos e concursos, formaram uma teia internacional que trouxe a possibilidade de ver o que se fazia nos grandes centros da fotografia mundial, e mostrar o que se produzia por aqui, antecipando os blogs, facebooks e flickrs de hoje!

Uma analogia à nossa arquitetura se torna inevitável. Se por um lado ela se aproveita do modernismo internacional, devora-o, transforma-o e regurgita um novo estilo, como diz o antropólogo Lauro Cavalcanti em Moderno e Brasileiro - A História de uma Nova linguagem da Arquitetura (1930-1960), a influência das transformações socio-políticas-econômicas pelo mundo chega aos fotoclublistas brasileiros, que se aproveitam para deglutir as artes e as transformam numa nova fotografia, uma leitura tropical e essencialmente criativa.

Notamos que boa parte dos autores desta mostra é de origem ou descendência europeia. Muitos, refugiados das guerras do Hemisfério Norte. Um contraponto que estabelece, aqui no Brasil, um celeiro ímpar para uma produção voltada também para um certo otimísmo, uma certa esperança no futuro - diferente do movimento europeu, encalacrado em sua dificuldades mais urgentes.

Muitos fotógrafos, como Thomaz Farkas, German Lorca, José Yalenti e Geraldo de Barros, ultrapassaram os vínculos com o modernismo e produziram de maneira longeva, provocando que o movimento foi essencialmente de substância, denso e de extrema importância na partilha subsequente da arte dita contemporânea. E ainda hoje reverbera nos autores mais recentes essa influência.

German Lorca, em Praticáveis, ironiza a banalidade com destreza e simplicidade. Em Mondrian, é provocador ao mesmo tempo que homenageia o mestre holandês. Já Thomaz Farkas consegue transformar aqueles telhados, fotografados à exaustão, em algo inovador e surpreendente. Sua criação é tão interessante que se chega a duvidar dos títulos das imagens, diante do movimento gráfico criado.

Paulo Pires, fundador do Íris Foto Grupo de São Carlos, desnuda o Edifício Copan, de Oscar Niemeyer, maior símbolo da arquitetura paulistana. Em linhas, consegue trafegar do gigantismo de uma obra arquitetônica aos seus detalhes mais íntimos, elementos que seriam constantes nos fotógrafos fotoclubistas.

Navegar entre o abstracionismo e o surrealismo, duas formas quase opostas, foi uma excelência na obra de José Yalenti, encontrada em Miragem e Paralelas e Diagonais em questões inusitadas. Esse estado contestatório do formal e do metódico era frequentemente desafiado pelo nosso caráter tropicalista. Afinal, nossa fotografia não trazia o peso de séculos da pintura europeia.

Apesar da informalidade, a fotografia brasileira não se distancia do rigor gráfico e da consistência de uma obra pensada e criativa. Ela vai além com preocupações mais concentuais e formata outras discussões, como o questionamento se o que vemos é real ou imaginado, proposta contida na obra Escala em Branco, de Eduardo Enfeldt, que lida essencialmente com a percepção.

Mas onde começa a ilusão da imagem e onde termina sua realidade? Em sua ruptura os modernos perfazem caminhos opostos. Podem, por exemplo, sair do abstrato para a forma figurativa. Não há regras impostas, a não ser a da boa expressão estética. É o que podemos ver na obra de Ademar Mararini ou em Arabescos em Branco, de Gertrudes Atischul, uma das raras mulheres a participar do fotoclubismo do período.

A geometria e o abstracionismo também conduzem a obra de Eduardo Salvatore Formas. A propósito, se destaca aqui a importância desse fotógrafo como fundador do Foto Cine Clube Bandeirante e sua atuação como presidente da entidade entre 1943 e 1990, Scavone também antecipa muito da imagem contemporânea com Abstração #5, uma imagem de cartgazes de rua rasgados.

Muitas dessas obras são inéditas fora do circuito fotoclubista e sobreviveram a depositários nem sempre adequados. São exemplares de verdadeiros autores, muitos ainda de pouco reconhecimento público, que experimentaram os limites das possibilidades da alquimia fotográfica: fotogramas, solarizações, sobre-exposições, entre outros malabarismos criativos que o quarto escuro possibilita. Por certo trarão reflexões e provocações. Moderna para sempre!

Iatã Cannabrava
Curador da Mostra

* com a colaboração de Juan Esteves
Rua Maestro Ignácio Stábile, 200 | Alto da Boa Vista | Ribeirão Preto | SP | Brasil
Terça a Sábado, das 14h às 18h | Entrada Gratuita
+55 16 3623 2261 | +55 16 3623 2262
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