Quanto mais vejo, mais invento o que desejo.Fernando Lemos
Período: 13 de abril a 04 de maio de 2019
Não recomendado para menores de 14 anos
Fernando Lemos chegou ao Brasil em 1952, deixando para trás o obscuro Portugal de Salazar. Trouxe em sua bagagem a sede de ver e descobrir e toda a experimentação vivida junto com seus companheiros e amigos da vanguarda artística de Lisboa presente no célebre conjunto de fotografias que realizou anos antes de partir.
No Brasil, Fernando consolidou sua multifacetada carreira artística, deixando que o lugar que a fotografia tinha preenchido até então, fosse aos poucos ocupado por outras linguagens: o desenho, a pintura, as artes gráficas e a poesia. Na década de 1990, as fotografias de sua fase surrealista realizada em Portugal voltaram à luz e percorreram o mundo.
De acordo com Annateresa Fabris:
"Ao enveredar pelo surrealismo, Fernando Lemos toma uma posição decidida contra o senso comum, desmentindo em suas fotografias o papel de interlocutor e mediador entre o homem e o mundo conferido ao objeto. O que ele demonstra no curto espaço de tempo que vai de 1949 a 1952 é a possibilidade de olhar para o objeto a partir de um ponto de vista diferente, capaz de trazer à tona sua dimensão oculta, alicerçada em imagens do inconsciente."
No Brasil, Fernando Lemos fotografou a sua família e alguns artistas plásticos e escritores do seu entorno mas no conjunto dessa breve obra, destaca-se a série de retratos que fez de Hilda Hilst em 1959 em seu ateliê. Ele tinha 33 anos e ela 29, dois poetas no auge da juventude e da criatividade, um encontro que se tornou histórico.
O editor e critico Augusto Massi, autor do livro que trata desse ensaio, destaca:
"Na trajetória de Fernando Lemos, essa série de retratos tem um caráter simultaneamente inaugural e secreto. A julgar por uma nota, publicada em 1959 pelo amigo e jornalista Nelson Coelho, ela representaria, simbolicamente, sua primeira experiência fotográfica no Brasil: "O desenhista Fernando Lemos voltou à fotografia. Primeiro modelo: a poetisa Hilda Hilst". A primeira observação que se impõe é que essas imagens diferem radicalmente da produção fotográfica que Fernando realizou daquele círculo de artistas e intelectuais portugueses com os quais conviveu em Lisboa. Aquelas fotos possuem uma composição marcadamente experimental, lúdica, onírica. Nesses retratos de Hilda, não reencontramos nenhum traço do surrealista que fazia uso constante da sobreposição (realizada através da dupla exposição), da imagem em negativo (solarizações) ou de eventuais intervenções sobre as cópias.
Pelo contrário, nesses retratos de Hilda estamos mais próximos formalmente das técnicas teatrais de Brecht. Entre figura e fundo, há uma clara disposição de explorar os bastidores, expor os procedimentos técnicos, arrancar as máscaras do artifício. A própria estrutura espacial do ateliê do fotógrafo se incorpora aos movimentos internos do ensaio. A figura da escritora se mistura aos elementos de fundo: a tubulação aparente, os refletores à mostra, a mesa de trabalho, a estante de livros, o quadro negro com seu círculo do giz. Na maioria das fotos, a câmera está posicionada levemente de baixo para cima, não para elevar a escritora à condição de diva inalcançável, mas para mostrá-la transitando, assim como em sua poesia, entre o alto e o baixo."
Como dar conta da trajetória desse artista que atravessou mais de sete décadas sempre à frente do seu tempo ?
Ninguém melhor do que o próprio Fernando Lemos a nos falar sobre essa vida:
"Nasci na Rua do Sol ao Rato,
em Lisboa, em 1926
Fui para o Brasil em 1952.
Fui estudante, serralheiro,
marceneiro, estofador,
impressor de litografia,
desenhador, publicitário,
professor, pintor, fotógrafo,
tocador de gaita, emigrante,
exilado, diretor de museu,
assessor de ministros, pesquisador,
jornalista, poeta, júri de concursos,
conselheiro de pinacotecas,
comissário de eventos internacionais,
designer de feiras industriais,
cenógrafo, pai de filhos, bolseiro,
e tenho duas pátrias, uma que me fez
e outra que ajudo a fazer.
Como se vê, sou mais um português
à procura de coisa melhor."