FÁBULA DA PAISAGEM - PAULO PASTAPaulo Pasta
Período: 16 de maio a 20 de junho de 2015
Livre para todos os públicos
Comecei a pintar estas paisagens enquanto lia o alentado volume da biografia de Van Gogh, escrita por Steven Naifeh e Gregory White Smith, a última editada no Brasil (1). Ao ler os capítulos sobre a formação do artista, deparei-me com nomes de pintores que foram referências importantes para ele. Alguns eu conhecia, outros, não. A cada nome desconhecido, interrompia a leitura para buscar, em livros ou na internet, imagens dos trabalhos desses artistas. Eram, na sua maioria, paisagistas. Alguns são celebrados até hoje, outros, quase esquecidos. Vários deles participaram da escola de Haia, como Mauve, primo de Van Gogh, enquanto outros, pertenceram à Escola de Barbizon. Foi, então, como se uma segunda leitura se sobrepusesse à primeira, - a visão dessas paisagens trazendo de volta, para mim, minha própria e inescapável história.
Sempre gostei de pinturas de paisagens. Fiz muitas quando comecei a pintar, geralmente vistas da minha região de origem. Na sua maioria, eram imagens dos canaviais que lá existem. Não ia ao campo para fazê-las. Usava a memória, o que conferia aos canaviais uma grande simplificação e uma quase idealidade. Procurava retratá-los nas várias horas do dia, em estações diferentes e debaixo dos mais variados céus. Hoje, quando olho para esses trabalhos, percebo que essa marca da memória, no seu amplo sentido, constitui sua característica mais forte. Essas paisagenzinhas já eram uma tentativa de unir a pintura, a história da pintura, que via nos livros, com minha própria história e circunstância. Era como se a pintura pudesse criar essa ponte difícil entre o eu e o mundo.
Essa questão, reposta hoje, ainda me parece muito viva. Depois de muitos anos trabalhando, não tenho como não notar que minha vontade de conhecer e de fazer, sempre foi e ainda é tratada na experiência da pintura. Mesmo agora, o que mais importa, não é propriamente o registro do que vejo, mas a vontade de adensar essa relação entre a pintura e as coisas. Foi a pintura quem me ensinou a ver a paisagem, por exemplo, e não o contrário. Se via um quadro, via o mundo.
As paisagens aqui reproduzidas nasceram do entusiasmo trazido pela leitura a que me referi. Elas talvez representem a terceira leitura do livro. Fiz as primeiras lembrando-me de Corot e de Daubigny, dois dos pintores de Barbizon admirados por Van Gogh. Destes, fui para outros nomes da mesma escola. Depois, descobri algumas fotos que fiz, tempos atrás, da minha região e de seus canaviais, e usei-as como referência. Por fim, passei a trabalhar lembrando daquelas mesmas paisagens do início, só que, agora, modificadas pela técnica e pelo acréscimo de tantas outras experiências.
Quando olhei para o conjunto que elas formaram, na parede do atelier, constatei, um pouco encabulado, que estava, ainda uma vez, descobrindo a mesma coisa: de novo, era por meio da pintura que os arredores de uma cidade do interior paulista conversava com o campo francês, e que a luz do interior do Estado encontrava correspondência com o céu da Holanda. É a pintura que proporciona, para mim, essa união entre o ontem e o hoje, o desejo e o real. Ela foi e ainda é essa ponte, que comporta momentos de fluxo e de interrupção.
Não sei relacionar muito bem essas pinturas com o comum da minha produção. Tampouco estou certo de que deveria me preocupar com isso. Sei que tive muito prazer em fazê-las. Espero que quem as veja possa compartilhar-lho. Um encarte: essa palavra, usada para designar este ensaio visual inserido na revista, talvez sirva para traduzir o que elas são para mim, - algo que, outra vez tornado novo, busca seu lugar no corpo do meu trabalho.
(1) Van Gogh, A Vida. Steven Naifeh e Gregory Smith. Companhia das Letras. São Paulo, 2012.
Paulo Pasta, Abril de 2013
Publicado na revista Serrote n.14