EXPOSIÇÃO . ABERTURA 1980
ABERTURA 1980
Curadoria: Rafael Vogt Maia Rosa
28 de janeiro de 2020
Livre para todos os públicos
Abertura 1980:

O convite para essa curadoria veio ao encontro de uma coleção concentrada no período proposto: um recorte em torno da década de 1980. Nessa época, João Carlos de Figueiredo Ferraz era também pintor, e seu envolvimento com essa linguagem, especialmente seu gosto por questões ligadas à cor e à matéria, definiu os itens e núcleos iniciais agora expostos, captando suas potencialidades mais prementes. O conjunto foi selecionado, em todo o caso, de forma a valorizar o diálogo entre as peças e o aspecto que mais chamou a atenção: uma desenvoltura inédita justamente no limiar entre os suportes tradicionais, como na peça de Iole de Freitas, em que a pintura tem uma volumetria escultórica que se adianta no espaço real do espectador, em uma monumentalidade prosaica.

Ao par da evidente autonomia das obras, muitas delas operando a partir da apropriação, inclusive, acredita-se que essa disposição possa mostrar que se, na década de 1960, temos um ímpeto voltado ao corpo e sua presença na arte, e por espaços em que é a partir dele que definimos nossa participação, ou mesmo rupturas sistemáticas com os suportes tradicionais, em um período que se estende aos anos de 1970, marcado por uma aclimatação consistente da arte conceitual, na década de 80, há uma adesão inesperada e convicta à pintura e à escultura, paralelamente às apropriações e ao uso intensivo da fotografia, do vídeo em uma dimensão que vai além de preocupações estritamente morfológicas. É como se todas essas obras respondessem sem ressentimentos às advertências de Michael Fried quanto às vicissitudes da aproximação entre "arte e vida", com proposições que tiram seu melhor justamente de uma problematização das especificidades de suas linguagens, não mais como sua "razão de ser", mas como um meio pródigo para a condensação e rearticulação de teatralidades e "filosofias de vida" que não encontrariam afinal lugar nem acolhida fora desses mesmos limites.

No vídeo "Wesley" (1981), de Roberto Sandoval, essa dimensão emancipada fica evidente na fala do artista que se propõe fazer uma experiência pictórica com a cor, para "o outro", e que vislumbra uma nova era na cultura definida pela figura andrógena do filho capaz de "ver os pais com dois olhos", superando o patriarcalismo destrutivo e a letargia uterina, matriarcal, para instaurar uma experiência de afirmação da sua singularidade que, ademais, não se encontra mais em conflito terminal com o inconsciente, escapando de forma astuta dos hermetismos e encontrando uma sociabilidade favorável, até mesmo para a comercialização da arte, fruto de uma abertura política real.

A abstração pura persiste e é, em muitos casos, de uma felicidade incontornável. Mas, justamente a figuração, em variantes insuspeitáveis, é que dá o tom dessa "abertura", no sentido de permitir o retorno de um lirismo, às vezes até humorado ou mais rebelde, no lugar de uma tensão programática que responde metonimicamente a um esquema geral para a arte brasileira. Talvez um pouco como no caso da MPB, as melodias que se criam aqui não estão mais constrangidas a serem inevitavelmente críticas ou irônicas em relação à cultura norte-americana. Finalmente, como queria John Cage, que esteve em São Paulo, em 1985, os EUA podem ser vistos como apenas mais um lugar no mundo, através de uma "nova figuração" que não é essencialmente reativa e pode celebrar conquistas alheias.

Os Casa 7, por exemplo, que estão em destaque na exposição, começam com um esquema básico comum entre os participantes, um tipo de pintura com uma gestualidade muito franca, uma retórica que não glamouriza o suporte e quer que o pictórico tenha um atrito com a realidade ao se inscrever ali, com certa petulância nas citações. É notória a influência de Philip Guston e sua retomada, no interior da fatura, de uma figuração derivada dos quadrinhos, sem recalque. Logo em seguida, entretanto, esse componente coletivo vai se desdobrando em experiências que estressam aspectos da tridimencionalidade, das matérias, da cor, e mesmo da relação entre o universo plástico e literário, a partir de uma problemática e condição cultural específica e de uma relação inteligente com a nossa tradição moderna. E é individualmente que essas "superações" podem se dar porque não respondem uma única diretriz, e não se abstém de se envolver com as idiossincrasias mais opacas e difíceis de nosso contexto.

Por fim, a discussão de "gênero" ainda não tinha sido debatida na academia ou gerado a reação violenta e anacrônica que colocou o artista, recentemente, mais uma vez como inimigo da sociedade e o agente de um processo de degeneração institucional. Isso era ainda definido, sem justificativas teóricas, pela autoridade do próprio. Nas palavras de Ivens Machado, em 1987, "numa visão ético-moralista característica dos meios de arte e de outros saberes desde a antiguidade, eu estaria sendo usado e desperdiçando ao usar o que está em torno, e não pertence -infidelidade- com um tempo onde o prazer escorre pelas coisas sem objetivo. Estou satisfeito com essa maneira, não pretendo a posição de ´reprodutor´. A paternidade não me preocupa, embora reconheça sua existência". Eis aqui um bom motivo para uma fermata meditativa, como na sala à parte reservada para obras que anunciam a próxima década, já pensando a respeito do que pode resistir do espírito do artista, na arte, para além da própria matéria.

Rafael Vogt Maia Rosa, fevereiro de 2019.
Rua Maestro Ignácio Stábile, 200 | Alto da Boa Vista | Ribeirão Preto | SP | Brasil
Terça a Sábado, das 14h às 18h | Entrada Gratuita
+55 16 3623 2261 | +55 16 3623 2262
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